Dentro da minha cabeça mora uma voz extremamente chata, irritante e insatisfeita. Ela me lembra aquelas pessoas que a gente vê deixando comentários maldosos em fotos de famosos na internet. Não importa o que o alvo faça, ela sempre encontra motivos para criticar. Uma espécie de ódio gratuito, eu diria.
Eu já fiz aquele exercício que Psicólogos recomendam, de prestar bem atenção nessa voz para tentar identificar quem realmente está dizendo isso - seu pai? sua mãe? seu ex-chefe? aquela amiga tóxica que infernizou sua vida?
No meu caso, a voz é minha mesmo. Não sei se isso é bom ou ruim, acho que é meio triste, porque significa que ninguém nunca me tratou tão mal quanto eu mesma. Existem exceções que consigo pensar. Mas ainda assim, eu sei ser muito cruel.
A verdade é que eu sou a minha maior hater.

Que bom que você diminuiu o tempo de tela de Instagram, só falta fazer o mesmo com as outras redes sociais. Não é possível que você não tenha nada melhor para fazer!
Você tá saindo e socializando bastante, que ótimo! Mas também tá gastando muito mais.
Olha só quem conseguiu voltar pra academia, uau! Não deveria nem ter parado pra começo de conversa.
Fazer 30 minutos de exercício é fácil, por que não faz o dobro disso? Aí sim você pode se orgulhar.
Tá se dedicando ao francês mas devia estar fazendo o mesmo com inglês, né? Depois reclama que tem preguiça de ler em inglês.
Você tá mantendo tão bem o hábito da leitura! Pena que continua comprando livro antes de ler os que já tem.
Cozinhou o jantar mas faltou um legume aí, hein? Você não tem um pingo de criatividade?
Finalmente você construiu uma rotina de cuidados com o rosto, uhul! Enquanto isso, o resto do seu corpo tá completamente ressecado. Suas pernas estão horríveis.
Enviou 5 currículos hoje mas podia ter enviado 15.
Tá mantendo contato com as suas amigas que estão longe mas dá pra ser mais presente que isso. Envie presentes, escreva cartas, ligue 1 vez ao mês. Melhore!
Guardou sua meta mensal de dinheiro pra reserva de emergência mas também tá comprando coisa que não precisa tanto assim, né linda?
Não gastou com manicure mas suas unhas ficam horríveis quando você faz sozinha.
Caramba, você conseguiu fazer as pazes com o próprio corpo!!! Aproveita enquanto pode, logo logo você estraga isso de novo.
Manteve a periodicidade que queria no Substack mas também… com um texto desse, qualquer pessoa conseguiria.
Talvez seja por isso que eu estou tão acostumada a me distrair. Faço qualquer coisa para não ficar em silêncio e ouvir essa voz que me diz 24h por dia, 7 dias por semana que eu não fiz o suficiente. Que eu posso sempre melhorar.
A essa altura eu já deveria ter aprendido a não reprimir tanto meus sentimentos (olha eu me cobrando de novo), mas é tão, tão difícil acolher essa voz e perguntar por que ela não me deixa em paz.
Ainda não tenho essa resposta, mas aqui estou, tentando fazer ela me contar. De novo.
Ou talvez a gente só precise aprender a lidar com o fato de que vamos decepcionar a nós mesmos ao longo da vida e que a maneira que a gente se enxerga é, na verdade, bem idealizada (ouvi sobre isso nesse podcast e confesso que ainda tô digerindo a paulada).
O meio do caminho entre aproveitar minhas conquistas e lidar com as próprias decepções me parece bom.
Desconhecido, mas bom.
Desafiador, mas bom.
Eu preciso ganhar dinheiro. Eu preciso escrever hoje. Eu preciso lavar o banheiro. Eu preciso comer alguma coisa. Eu preciso abandonar o açúcar. Eu preciso cortar o cabelo. Eu preciso ligar para a operadora de celular. Eu preciso saborear o momento. Eu preciso encontrar o cartão da biblioteca. Eu preciso aprender a meditar. Eu precisos me esforçar mais. Eu preciso tirar aquela mancha. Eu preciso encontrar um plano de saúde melhor. Eu preciso descobrir meu perfume especial. Eu preciso me fortalecer e tonificar. Eu preciso estar no momento presente. Eu preciso aprender francês. Eu preciso ser mais indulgente comigo mesma. Eu preciso comprar unidades de armazenamento organizacional. Eu preciso ligar de volta. Eu preciso desenvolver um relacionamento com um Deus do meu entendimento. Eu preciso comprar creme para os olhos. Eu preciso usar o meu potencial. Eu preciso me deitar.
Trecho do livro “Cleópatra e Frankenstein”, uma das minhas leituras favoritas desse ano.
Se você também se sente assim na maior parte do tempo - como alguém que está desesperadamente tentando - aceite o meu abraço.
De uma forma ou de outra, espero que você esteja bem. ❤️
Até loguinho,
Mari
como pode que todas nós estejamos assim, né? Abraço de quem vive sempre igual ao trecho que você postou no texto❤️
Bom, é isso. Esse texto traduziu bem o q estou passando e definiu o que sou pra mim mesma. Agora, de férias, em um autoisolamento pra repensar minha vida, mas esses pensamentos que insistem em sabotar tudo que tenho feito ou tentado fazer. E realmente não há uma resposta ou solução pra isso. Eu nunca nem ousei confrontar esses pensamentos pra saber o q eles querem de mim.